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domingo, 4 de julho de 2010

O poeta é um fingidor?

"O poeta é um fingidor"
Mas será que é mesmo?
Todo artista seria um fingidor?
O ator, por exemplo
Vivendo uma vida que não é sua
Interpretando e explanando com perfeição
Um ponto de vista que não é seu
Seria isto um fingimento?

Acredito que o fingimento
Está intimamente relacionado à falta de sentimento
O sentimento real, despido de todas as maquiagens humanas que poderiam ocultar-lhe
É puro, cristalino e totalmente verossímil
Então, presumo que quando um ator mergulha em um personagem
Expondo sua intimidade e interpretando-o com exatidão
De uma maneira contextualizada e dentro de um padrão
Podemos, dentro de um certo critério, visualizar uma expressão da verdade
Não há nada mais verdadeiro do que um ator competente em cena
Então o fingimento não está associado ao artista que vive da expressão do sentimento
Não está associado ao tipo de labor
Mas está ligado à maneira como esse trabalho é encarado e executado

O poeta é mais um artista
O poeta pode ser comparado a um profeta
Não no tocante a previsão
Mas referindo-se a um sacerdócio
O poeta é o sacerdote das palavras
E como a boca fala daquilo que o coração está cheio
O poeta é o sacerdote da alma
Das coisas sagradas
Da espiritualidade

A sociedade é estratificada
Com intensa divisão de trabalho
Tal qual um organismo
Onde coração, fígado, pulmão
Órgãos diferentes, funções diferentes
Mas o objetivo é o mesmo
O bem-estar do organismo
Médicos, engenheiros, militares, professores e poetas
Funções diferentes
Mas um mesmo objetivo: o bem-estar da sociedade

"Mas ser poeta não é profissão" diriam alguns
"O poeta é um fingidor" diriam outros
Afirmando que, por serem "fingidos", os poetas se contradizem
Falseando os sentimentos
Preocupando-se apenas com o formato e não com o conteúdo
Tal qual os parnasianos
E muitos nem recebem salário
E são boêmios
Dentre outras diversas, e as vezes pejorativas, qualificações

Para não sermos acusados de superficialidade
Lembremos que a profissão
Antes de envolver o salário, que é uma consequência
Envolve o trabalho, que é uma causa
E o trabalho feito de coração e com perfeição
É muito mais significativo que aquele feito por interesse
Pois o primeiro é doação
E o segundo é obrigação

Mas como um poeta contribuiria para o bem-estar social?
Seria apenas pelo entretenimento?
Como é pueril o homem que analisa tudo superficialmente
Muita pobreza de espírito, se essa pergunta é feita com deboche
E muito desconhecimento de causa
O médico é o profissional responsável pelo zêlo de nossa saúde
O engenheiro se responsabiliza pela criação e manutenção de estruturas
O militar é o fiscalizador/cumpridor da ordem social
O professor é o construtor e o semeador do conhecimento
E o poeta?
Qual seria o papel deste tão humilde profissional
Que muitas vezes nem trabalha por dinheiro
Mas apenas pela satisfação de tocar o sentimento
E tem papel mais prazeroso que esse?
Tocar verdadeiramente o coração das pessoas
Mexer com suas essências, despertá-las para a realidade dos fatos
Meu amigo, o poeta é humilde, porém, gigante!!!

Além disso, o homem é confuso por natureza
Pois ele é naturalmente imperfeito
Em ações, palavras e impressões do mundo exterior
E por isso, os homens constantemente se interpretam mal
Se relacionam mal
E convivem mal
Porque não sabem se comunicar
Porque não sabem ou não querem traduzir verdadeiramente
Seus pensamentos em ações
Suas idéias em palavras
Não sabem, não querem ou não têm competência para isso
E quem teria essa capacidade
De externar todo um sentimento contido para uma folha de papel?
Não seria outro
Senão aquele que detém o sacerdócio da palavra
Da alma
Dos verdadeiros sentimentos
Esse humilde gigante
O poeta

"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente."
Diz a autopsicografia de Fernando Pessoa
Que atesta a total competência do poeta em retratar os sentimentos
Inclusive os sentimentos dele próprio
Não seja superficial
Lembra da primeira frase desse texto?
Muitas pessoas só lembram dela
E esquecem do restante da estrofe
E principalmente, esquecem o significado
A poesia é a magia na forma de palavras
A poesia não é só a primeira frase
São várias estrofes
A poesia não é só o parnasianismo
É concretismo, é o modernismo, é o simbolismo
É até mesmo o dadaísmo
ELA É O SINCRETISMO
Por que como seres humanos, nós somos sincréticos
E ninguem mais habilidoso para lidar com o sincretismo do ser humano
Do que o poeta, esse multifacetado profissional
Mestre das coisas do espírito

Fernando Luiz

4 comentários:

  1. Tão legal ver esse rapaz do universo dos números deslizar pelo universo das letras...espero que se encontre!

    O poeta é um fingidor. Desculpe-me, mas Fernando Pessoa(ou o Fê para os íntimos), está certíssimo. O poeta finge porque é humano, não necessariamente porque é poeta. Pq ser humano é ir dar aula mesmo quando não se está afim de trabalhar, é sorrir quando se arde de ciúmes por dentro, é bater uma foto com os amigos quando o sorriso dela não condiz com o seu coração.

    Por trás do poeta há o prazo da editora, há o pedido dos fãs, há a crítica interna. Criar não é só questão de inspiração.Espero que entenda.

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  2. Abaixo segue um link que fala sobre o poema de Fernando Pessoa "Autopsicografia". Compartilho do ponto de vista dele e talvez esse raciocínio tenha sido um dos motivos de inspiração para o texto escrito neste blog.

    http://diglitmedia.blogspot.com/2007/05/autopsicografia.html

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  3. Espero que também tenha ficado claro que eu não estou criticando o Fernando Pessoa...rsrsrsrsrs...Eu estou exaltando a genialidade dele, até pq segundo o próprio, o poeta finge até mesmo a dor que deveras sente... Como eu disse, o poeta é o sacerdote das coisas do espírito, porque ele entende como ninguém o que se passa na essência de um ser humano. O poeta é o fotógrafo da alma.

    E lembrando que se até o elétron tem seu comportamento descrito por um princípio da dualidade (ora se comporta como partícula, ora como onda), o ser humano ora se comporta como homem e ora se comporta como poeta. Quando ele sorri para os amigos nos momentos em que não quer, quando ele vai dar aulas pelo simples dever civil e empregatício, quando ele tem prazos a cumprir e quando descreve, mesmo através de poesia, as coisas de maneira maquinal, ele está sendo HOMEM. Agora, quando seu sentimento aflora de uma maneira natural e voltada para sua própria essência ou para a essência de qualquer outro ser humano, aí sim, ele está sendo POETA.

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  4. Aos que propagam a inutilidade da poesia, dos livros, enfim, das coisas bonitas da vida, só resta lembrar o Quintana, que diz que os livros não mudam o mundo. Eles mudam pessoas, e elas que mudam o mundo.

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